Desde muito jovem,
seu sonho era ser cantora, como seu ídolo Orlando Silva. Mas os tempos eram
outros e os impedimentos familiares maiores, então ela continuou estudando, foi
trabalhar como secretária numa grande empresa e começou a colecionar os discos
dele, um a um, como se fossem o seu grande tesouro. Talvez nem mesmo o próprio
Orlando Silva tivesse o acervo que ela havia conseguido reunir.
O tempo passou e ela com sua
coleção, até que um dia conheceu meu pai num baile beneficente kardecista e em três
meses se casaram.
Um ano depois, ela
sem mais trabalhar na empresa em que ficara por mais de dez anos, sua ocupação
era cuidar de mim, da casa e num impulso, resolveu um dia vender sua coleção.
Ela precisava do dinheiro pra comprar mais roupinhas pra mim.
Mais de 40 anos se
passaram, meu pai morreu, meu irmão morreu e ela já idosa, ligava o radio na
esperança de ouvir entre tantas canções do seu tempo, o seu ídolo, que também
já tinha partido. Foi quando eu
finalmente encontrei, em CDs, a coleção completa de Orlando Silva.
Cheguei à sua casa
com o presente e ela não sabia nem o que escutar primeiro. Parecia uma criança
que encontrava seu brinquedo perdido há tanto tempo. A coleção vinha com um álbum
contando toda a trajetória profissional e pessoal dele e eu li pra ela tudo o que, com sua frágil
visão, ela não conseguia mais. Momentos raros, em que ela me ouvia, sorria e
voltava a ser a mesma mãe que eu conhecia quando jovem. Há tempos, ela vinha se
despedindo da vida, sem mesmo ninguém saber.
Pouco tempo depois,
ficou muito doente e nós trocamos os papéis, era eu que agora me ocupava dela.
Em vão, era chegada sua hora de ir embora.
Hoje seria seu
aniversário e nem é preciso que eu feche meus olhos, para ouvir sua voz
cantando junto com ele, em frente ao toca discos, sentada no seu sofá, na sala
do seu apartamento. Uma saudade a mais, uma esperança a menos...