sábado, 29 de março de 2014

UMA SAUDADE A MAIS


Desde muito jovem, seu sonho era ser cantora, como seu ídolo Orlando Silva. Mas os tempos eram outros e os impedimentos familiares maiores, então ela continuou estudando, foi trabalhar como secretária numa grande empresa e começou a colecionar os discos dele, um a um, como se fossem o seu grande tesouro. Talvez nem mesmo o próprio Orlando Silva tivesse o acervo que ela havia conseguido reunir. 

O tempo passou e ela com sua coleção, até que um dia conheceu meu pai num baile beneficente kardecista e em três meses se casaram.
Um ano depois, ela sem mais trabalhar na empresa em que ficara por mais de dez anos, sua ocupação era cuidar de mim, da casa e num impulso, resolveu um dia vender sua coleção. Ela precisava do dinheiro pra comprar mais roupinhas pra mim.

Mais de 40 anos se passaram, meu pai morreu, meu irmão morreu e ela já idosa, ligava o radio na esperança de ouvir entre tantas canções do seu tempo, o seu ídolo, que também já tinha partido.  Foi quando eu finalmente encontrei, em CDs, a coleção completa de Orlando Silva.

Cheguei à sua casa com o presente e ela não sabia nem o que escutar primeiro. Parecia uma criança que encontrava seu brinquedo perdido há tanto tempo. A coleção vinha com um álbum contando toda a trajetória profissional e pessoal dele e eu li pra ela tudo o que, com sua frágil visão, ela não conseguia mais. Momentos raros, em que ela me ouvia, sorria e voltava a ser a mesma mãe que eu conhecia quando jovem. Há tempos, ela vinha se despedindo da vida, sem mesmo ninguém saber.

Pouco tempo depois, ficou muito doente e nós trocamos os papéis, era eu que agora me ocupava dela. Em vão, era chegada sua hora de ir embora.


Hoje seria seu aniversário e nem é preciso que eu feche meus olhos, para ouvir sua voz cantando junto com ele, em frente ao toca discos, sentada no seu sofá, na sala do seu apartamento. Uma saudade a mais, uma esperança a menos...